Morava no
último andar de um prédio sem elevador. Essa era sua desculpa para sair cada
vez menos de casa. Sua rotina envolvia acordar, dar comida ao Genji enquanto o
café ficava pronto e depois começar a trabalhar em mais alguma tradução.
Finalmente
conseguiu um contrato fixo com uma editora, isso lhe tirava o sono antigamente.
Conversava com a secretária por e-mails e com o editor pessoalmente uma vez por mês, ou menos.
Não tinha
namorada, já não tinha há muito tempo. Sentia falta de ter alguém, mas não
pretendia fazer grandes esforços por enquanto para encontrar essa pessoa.
Prometia a si
mesmo que "amanhã seria diferente" todas as noites. Iria começar uma vida nova,
com mais amigos, mulheres, ou pelo menos sair na varanda para fumar no final da
tarde. Qualquer coisa que alterasse sua rotina já seria algo considerável. Estava mentindo e
sabia disso.
Um amigo veio visitá-lo. Outro tradutor. Ele chamava o Genji de Minamoto porque leu os
kanjis como “Clã Minamoto” no prato da ração. Se incomodaria de verdade com essa falha se o colega de profissão não fosse a única outra pessoa que se importava com aquele gato velho que
passava o dia dormindo. Nunca sentiu vontade (coragem) de corrigi-lo.
- Todo dia é
domingo de manhã para vocês. Precisa de objetivos na sua vida – dizia o
amigo tentando animá-lo – o que desejava fazer quando era criança?
- Apresentador
de TV.
- Então é isso.
Faça um curso de interpretação. Volta para a faculdade. Vai ser divertido.
- Não quero
gastar meu tempo com isso.
- E com o que
está usando ele no momento? Passa o dia todo vegetando. Pelo menos seu trabalho está em dia?
- Não.
- O que a
editora mandou dessa vez?
- Duas peças de
teatro e uma coletânea de contos.
- Parece muita
coisa. Qual seu prazo?
- Eles me deram
seis meses para todas.
- Falta quanto
tempo?
- Duas semanas.
- Deveria criar
uma rotina de trabalho.
- Eu não deveria
me tornar apresentador?
- Tanto faz. Só precisa ocupar sua cabeça com alguma coisa. E ganhar mais dinheiro. Já
passou dos trinta, vai perder o resto da sua vida assim?
- Não vejo como
desperdício, faço minha parte pelo bem estar do mundo não enchendo o saco de
ninguém.
- Muito nobre.
Quanto tempo faz que não sai do apartamento?
- Fui no mercado
hoje de manhã.
- Isso é bom. Está se alimentando.
- Meu chá e
cigarros tinham terminado.
- Ao menos viu pessoas. Você vê televisão?
- Não muito.
- E quando
assiste, não sente vontade de fazer aquelas coisas que aparecem nos comerciais?
Beber cerveja num bar, comprar um carro?
- Por que está
sendo tão insistente com isso hoje?
- Conversei
sobre você com minha mulher e ela me abriu os olhos para o seu isolamento
estar se tornando algo perigoso.
- Para quem?
O amigo suspirou.
- Quando morrer por inanição, solidão ou suicídio, eu cuido do Minamoto.
- O nome dele é
Genji.